5 exemplos de como se relacionar com startups no cooperativismo

O relacionamento entre cooperativas e startups não é mais uma tendência, é uma realidade. E os motivos dessa aproximação são inúmeros, porque cria, de fato, uma relação ganha-ganha. Engana-se quem pensa que uma organização muito bem consolidada não tem o que aprender com uma startup.

Fazem parte do DNA de uma startup, por exemplo: criatividade e inovação para propor soluções; ousadia para errar, corrigir rápido e refazer; gestão eficiente do tempo; mais facilidade para lidar com problemas e crises; maior receptividade ao uso de novas tecnologias; capacidade de aprender rápido; time diverso etc. Tudo isso e muito mais pode ser incorporado à estrutura de uma cooperativa.

Mas a startup também tem muito a ganhar nesse relacionamento, como: projeção no mercado; potenciais clientes e parceiros; aprendizado real das suas soluções aplicadas ao negócio das cooperativas etc. Ou seja, se a relação realmente for saudável, as duas partes têm muito a ganhar.

Relacionar-se com startups é uma forma de colocar a inovação aberta e o corporate venture externo em prática. Por isso, selecionamos cinco exemplos, cada um com as suas particularidades, para mostrar como uma cooperativa pode se relacionar com uma startup. Vamos conhecê-los!

1) InPulse Ailos: busca por startups validadas

Geralmente, a busca por uma startup ocorre quando a cooperativa entende que não conseguirá desenvolver determinado projeto sozinha. Ela até pode buscar no mercado um fornecedor tradicional, mas a agilidade e flexibilidade da startup contam bastante na hora da escolha. Foi o caso do Sistema Ailos, em 2019.

Com a percepção de que seu Laboratório de Inovação não poderia conceber e desenvolver sozinho todas as soluções necessárias para as cooperativas do sistema, a equipe de gestão da inovação decidiu criar um programa de inovação aberta, com foco em relacionamento com startups.

O objetivo era buscar startups que tivessem afinidade com o cooperativismo e que oferecessem soluções tecnológicas para negócios financeiros. E o desafio maior era estabelecer um relacionamento produtivo, de modo que fosse possível conciliar a dinâmica de trabalho da startup à realidade da cooperativa.

“O relacionamento com as startups não é igual ao que temos com outro fornecedor qualquer. Para que uma grande organização lide com startups na velocidade requerida, com adaptação da parte burocrática, foi necessário que tivéssemos alguns aprendizados”, lembra Paula Cardozo, coordenadora de Gestão da Inovação do Sistema Ailos.

Em linhas gerais, o programa, chamado de InPulse Ailos, prevê uma parceria comercial com a startup sem necessidade de equity do negócio. Ou seja, a cooperativa não tem participação societária na startup. O que existe é a possibilidade da startup ser contratada como fornecedora ou prestadora de serviços, mas com seus fundadores mantendo o equity da empresa.

Na prática, funciona assim:

1.    Primeiro, são abertas as inscrições para receber soluções inovadoras de startups, para solucionar dores específicas (os chamados “desafios”) das cooperativas, cooperados e a comunidade onde atua o Sistema Ailos;

2.    Depois ocorre a seleção das soluções que atendem aos desafios da chamada;

3.    A terceira etapa é o pitch day, no qual as startups apresentam suas soluções para o time da cooperativa;

4.    Uma vez que a startup é selecionada, ela avança para o desenvolvimento, com as fases de MVP (minimum viable product – mínimo produto viável, em português), POC (proof of concept – prova de conceito, em português) e a definição de critérios de sucesso para que os stakeholders tomem a decisão de contratar as soluções ou não.

Vale destacar que não basta ter uma boa ideia para se candidatar ao programa. O Sistema Ailos busca startups em operação, com faturamento e, preferencialmente, em fase de tração em diante. São realizadas chamadas específicas, como a realizada em 2019 para insurtechs (startups do setor de seguros), e de ciclo contínuo, em que startups de uma série de áreas diferentes podem continuamente se inscrever durante o ano.

Se aprovada em todas as etapas, a startup é contratada, torna-se criadora de soluções para as 13 cooperativas do Sistema Ailos e recebe remuneração pela criação e desenvolvimento do projeto. Além disso, ainda tem a possibilidade de desenvolver uma aplicação para mais de 750 mil usuários. De fato, é uma relação ganha-ganha, não é mesmo?

2) Inovar Juntos: parcerias para desafios específicos

O Sicredi tem um programa semelhante ao do Sistema Ailos, chamado Inovar Juntos. Nele, buscam-se soluções para resolver desafios específicos de todo o Sistema Sicredi. Por exemplo, em sua primeira edição, em 2018, o programa buscou soluções bem pontuais.

Veja quais eram os desafios:

  • Otimizar a triagem de currículos;
  • Conectar associados pessoa jurídica e pessoa física (marketplace);
  • Gestão de gastos de viagens e reembolsos;
  • Segurança;
  • Coleta de dados para perfil de investidor;
  • Digitalização de documentos;
  • Gestão de benefícios;
  • Capacitação com gamificação;
  • Processos internos de controles.

“Por ter sido a primeira experiência do Sicredi com este modelo de parceria, a escolha foi por processos internos e de menor complexidade, mas que trouxessem importantes benefícios para otimizar a nossa operação”, recorda Dagoberto Trento, gerente de Estratégia e Inovação do Sicredi.

Desde 2018, o programa, que acontece anualmente, já reuniu cerca de 390 startups com o objetivo de levar soluções aos colaboradores e aos mais de 4,8 milhões de associados da cooperativa. Foi a partir do Inovar Juntos, por exemplo, que surgiu o Sicredi Conecta, plataforma criada com apoio da startup Hallo, selecionada na primeira edição do programa. Em 2019, na segunda edição do programa, nove startups foram selecionadas.

Assim como no InPulse Ailos, não se trata de um programa de ideias, ou seja, o objetivo do Inovar Juntos não é selecionar startups em estágio inicial. Podem participar startups que tenham aderência aos desafios e, sobretudo, que possuam um MVP desenvolvido e validado, ou que já tenham seu produto ou serviço disponível no mercado.

As startups selecionadas são submetidas a um período de imersão para colocarem o projeto piloto em prática. Os empreendedores que mais se destacam têm a chance de se tornarem parceiros ou fornecedores do Sicredi.

3) Vibee: aceleração de startups em estágio inicial

O relacionamento com startups não é exclusividade do ramo Crédito. Por isso, vale destacar aqui o exemplo da cooperativa de saúde Unimed VTRP, que atua em uma área de 59 municípios dos Vales do Taquari, Rio Pardo e da região do Jacuí, no Rio Grande do Sul.

O primeiro contato da Unimed VTRP com startup foi em 2019, com a criação do InnovatiON, programa de conexões com startups maduras (na mesma linha do InPulse Ailos e do Inovar Juntos), para resolver desafios pré-determinados de negócio. Em duas edições, cerca de 350 projetos de startups foram analisados e 5 foram contratadas como fornecedoras de produtos ou serviços da Unimed VTRP.

“O InnovatiON foi um sucesso, tanto é que colocamos a plataforma de telemedicina em funcionamento dois dias após a liberação porque já estávamos tratando desse assunto com uma startup selecionada”, conta Rafael Zanatta, líder do Hub de Inovação da cooperativa.

Por conta do sucesso do InnovatiON, a Unimed VTRP decidiu dar um passo além em sua jornada de inovação e se conectar também com startups em fases iniciais de desenvolvimento.

“Das discussões do InnovatiON veio o questionamento: o que poderíamos fazer para estar em contato com as startups que estão na fase pré-InnovatiON?”, lembra Zanatta.

A solução veio em julho de 2020 com a criação do Vibee, um hub de inovação para identificar novas oportunidades na área da saúde com foco no relacionamento com startups em fases iniciais. Na prática, trata-se de um ambiente que conecta fundadores de startups com profissionais e empresas da saúde, universidades da região, mentores e potenciais investidores do mercado. O espaço físico fica localizado na sobreloja da sede da Unimed VTRP, em Lajeado (RS).

Portanto, não se busca apenas uma relação comercial com as startups, mas também apoiar o desenvolvimento de ideias em estágio inicial. Para isso, foram criados programas de aceleração estruturados em três pilares: inspiração, capacitação e networking. As startups selecionadas passam por um intenso processo de mentoria.

Os programas estão divididos em duas categorias, de acordo com o grau de maturidade da startup: Vibee Start (voltado para startups que estão construindo o MVP) e o Vibee Go (destinado à aceleração daquelas que já possuem um MVP validado).

Em sua primeira edição, o Vibee recebeu 123 inscritas. A proposta inicial era escolher no máximo 10 das pré-selecionadas para compor a primeira turma, mas a qualidade das startups fez com que o comitê escolhesse 12 para iniciarem os trabalhos. As cinco regiões do Brasil foram representadas na seleção.

4) Digital Agro Connection: do evento para a cultura interna

Desde 2017, a Frísia organiza a feira Digital Agro, uma das primeiras do setor a abordar a temática de inovação e receber startups. Mas apenas a feira não era suficiente para a Frísia se aproximar do ecossistema de inovação e promover a criação de soluções para os desafios existentes no campo.

Basicamente, o desafio era: aumentar o relacionamento com as startups que se apresentavam no evento e levar a inovação delas para dentro da cooperativa. Ou seja, a feira Digital Agro trazia as novidades e inovações do setor e nem sempre aquilo era absorvido pela cultura interna ou gerava resultados à Frísia.

Foi por isso que surgiu, entre outras iniciativas, o Digital Agro Connection, programa de seleção de startups do agronegócio (as agrotechs ou agtechs). A primeira edição foi realizada em 2020 e recebeu 60 inscrições.

A etapa seguinte, de seleção, foi realizada a partir das necessidades de cada área e das apresentações das POCs. Na banca avaliadora, além do Comitê de Inovação da Frísia, participaram membros da Unium e apoiadores do Digital Agro Connection, como FIEP e Instituto Eldorado.

As análises técnicas levaram em conta 6 critérios de seleção: resultado financeiro, geração de valor (resultados qualitativos), investimento da POC, riscos de implantação, velocidade e complexidade dos projetos.

Portanto, a avaliação foi bem rigorosa, resultando na seleção de 5 startups. Duas delas irão implantar suas tecnologias nas áreas agrícolas da Frísia, e as demais atuarão nas indústrias da Frísia e Unium, levando tecnologias para melhorar a produção de alimentos. Na fase de implantação, as startups são integradas com as equipes da Frísia e indústrias para desenvolver suas propostas com?todo suporte necessário.

5) Cocamar Labs: participação ativa em ecossistemas de inovação

A Cocamar, outra gigante do agronegócio brasileiro, sempre apostou em programas de qualidade e melhoria contínua como um dos pilares de sustentação de seu crescimento. Mas, diante do avanço da inovação disruptiva e da transformação digital, a cooperativa viu que precisa fazer algo mais.

Por isso, em 2018, iniciou a estruturação do programa de inovação Cocamar Labs, com objetivo de interagir melhor com os ecossistemas de inovação e, principalmente, promover o relacionamento com startups.

Então, o Labs ganhou uma frente chamada de Projeto Inovação (PI), responsável por buscar soluções existentes no mercado, observar tendências e se relacionar com o ecossistema de inovação. Sempre com foco em inserir as inovações na cooperativa para aumentar a rentabilidade dos cooperados.

O resultado é um relacionamento cada vez mais próximo com o ecossistema de inovação. Prova disso é que, atualmente, a Cocamar conta com sete startups prestando serviços à cooperativa. Entre elas: NeoField (sonda de monitoramento da propriedade rural), Agrian (agricultura digital a partir de imagens de satélite) e Flugo (gestão de filas na Transcocamar).

A cooperativa também é mantenedora de dois ambientes de inovação no Paraná: um em Maringá, com a aceleradora Evoa; e o Hub IA, com o Senai, em Londrina. O projeto-piloto do CRM para cooperados e o e-commerce (Shopping Cocamar) surgiram a partir da imersão nestes ambientes de inovação.

A Cocamar ainda inaugurou um espaço próprio de inovação, o Espaço Cocamar Labs, dentro de sua administração central, em Maringá. É uma área destinada à troca de experiências, aprimoramento de ideias e aprofundamento na inovação.

A importância dos ecossistemas de inovação

Ao longo do texto, vimos cooperativas que possuem seu próprio espaço de inovação e outras não. Nos dois casos, porém, a inovação e o relacionamento com as startups saem do papel. Pois ter um espaço de inovação não é preponderante neste caso.

E aproveitando o exemplo da Cocamar, é importante destacar a necessidade das cooperativas se relacionarem com os ecossistemas de inovação de forma geral. Porque são eles que contribuem, por exemplo, para o desenvolvimento das próprias startups, além de ser uma excelente solução para as cooperativas que não possuem um hub próprio de inovação.

Na prática, relacionar-se com um ecossistema de inovação possibilita a troca de experiências, acesso a novos conhecimentos e competências, criação de redes de indicação e o reconhecimento da comunidade inovadora daquele ecossistema. Tudo isso facilita processos inovadores e até a contratação de startups.

Quando uma cooperativa busca uma startup, ela está buscando na verdade um conhecimento que talvez não exista “dentro de casa”. Ao buscar um ecossistema, a cooperativa vai muito além, tendo a oportunidade de se relacionar e acessar a inteligência de vários atores.

E a oferta de ecossistemas vem se consolidando cada vez mais, a exemplo de Cubo, InovAtiva, AgTech Garage, Unimed Lab, Avance Hub, InovaCoop Goiás e tantos outros. Cabe à cooperativa analisar suas prioridades e estudar a região onde ela está inserida para encontrar o ecossistema que melhor lhe atende. Naturalmente, surgirão os relacionamentos e as startups mais aderentes às necessidades da cooperativa. 

 

 

Via: InovaCoop

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